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Joana Marques

Nuno Dias – Um encontro entre o Canto Lírico e a Guitarra e Canção de Coimbra


Nuno Dias, baixo, cantor lírico que toca guitarra de coimbra, um homem de oculos e camisa

Por Joana Patacas*, em 03 de abril de 2024


No universo vibrante da música, onde a constante evolução sonora desafia os artistas a deixar a sua marca, a voz de Nuno Dias emerge com uma distinção inegável. 

No canto lírico, como baixo, o seu registo vocal atinge as camadas mais íntimas da alma humana com uma aptidão notável para explorar e transmitir uma vasta gama de complexidades emocionais, que se refletem na riqueza e autenticidade das suas interpretações. Esta capacidade, combinada com a sua mestria na guitarra de Coimbra e uma abordagem singular à Canção de Coimbra, coloca-o como uma figura ímpar no panorama musical. 

“[O que mais me apaixona na Guitarra de Coimbra é] a sua alma e profundidade poética (…). Quando me expresso por meio desta guitarra, consigo aceder a sentimentos e pensamentos que habitam num local muito profundo em mim.”, Nuno Dias, 2024. 

Com um início tardio mas determinado nos estudos musicais, o percurso de Nuno Dias foi moldado tanto pela influência familiar e cultural, como por um profundo respeito pelas tradições portuguesas. Neste contexto, o seu trabalho "Canções Pagãs", uma homenagem ao cancioneiro de Luiz Goes, sobressai como uma expressão do seu compromisso com a preservação e inovação dentro do património musical português. 

“Nuno Dias vocaliza com muita sobriedade e contenção (…). Dir-se-á que Nuno Dias revisita Luis Goes num jogo de convergência e de divergência. Mais suave no primeiro quadro, possante e algo heroico no segundo momento, caminhando para um final em paz no terceiro ato (…). O que se pode dizer é parabéns ao Nuno Dias, esperando por outros "lieder" e lideranças estéticas.” in Guitarra de Coimbra V (Cithara Conimbrigensis), 2021. 

Nesta entrevista conduzida por Joana Patacas (JP), lançamos luz sobre os momentos mais marcantes da carreira do baixo e guitarrista Nuno Diasnum convite à reflexão sobre a arte de fazer música. 


JP: Como e com que idade descobriu a sua paixão pela arte?


Nuno: A minha viagem musical teve início tardiamente. Estive em contacto com a música desde muito cedo, quer através da aprendizagem de um instrumento, quer pelo contacto com a Guitarra de Coimbra do meu pai. No entanto, só comecei os meus estudos no Conservatório de Música de Coimbra, em Guitarra Clássica, como em Guitarra de Coimbra, com 19 anos. O canto entrou na minha vida aos 22 anos, o que culminou na obtenção da minha Licenciatura em Canto pela Universidade de Aveiro, na classe da professora Isabel Alcobia. 


JP: Quais foram as principais referências familiares ou ídolos que o inspiraram? 


Nuno: Para além dessa referência inicial, que foi o meu pai, na Guitarra de Coimbra, a família Paredes (Artur e Carlos) foi sempre uma marca muito presente na estética da Guitarra de Coimbra. No que se refere ao canto, terei sempre como referências máximas, tanto estéticas como artísticas, Luiz Goes, na música de cariz coimbrão, e Cesare Siepi e Nicolai Ghiaurov, no que respeita ao canto lírico. 


JP: Como é que começou a sua carreira profissional no canto? 


Nuno: O início da minha carreira como cantor surgiu de forma bastante natural. Enquanto aluno da Universidade de Aveiro, ao longo dos anos, tive a oportunidade de integrar a programação artística da Orquestra Filarmonia das Beiras, sob a direção do Maestro António Vassalo Lourenço, por quem terei sempre uma enorme gratidão. Foi uma progressão natural, aliada ao aparecimento de novas oportunidades, dentro e fora do país. 


JP: Quais foram os maiores desafios com que se deparou na sua carreira?  


Nuno: Devido ao início tardio dos meus estudos técnicos na guitarra e na voz, um dos meus grandes desafios foi compensar esse tempo perdido. Além disso, enfrentei, e continuo a enfrentar, o grande desafio que é acreditar no potencial e valor da minha música. 


JP: E que estratégias adotou para alcançar o nível desejado de proficiência nessas áreas? 


Nuno: Além de uma enorme dedicação e uma forte capacidade de trabalho, fiz sempre questão de aperfeiçoar as minhas faculdades musicais com os melhores mestres, tanto no canto como na guitarra, mesmo que isso significasse não estar vinculado a uma determinada instituição. Desenvolvi uma capacidade crítica muito apurada, o que me permite, tanto nos momentos de estudo como em palco, estar plenamente consciente do caminho a percorrer. Considero igualmente crucial ter-me mantido sempre conectado às minhas referências, pois são elas que me mantêm fiel às minhas raízes e à minha essência. 


JP: Qual foi a sua primeira grande conquista ou reconhecimento no mundo artístico? 


Nuno: Terei sempre a melhor recordação do Prémio Jovem Promessa Thierry Marmod, conquistado no Festival de Música de Verbier, em 2013, pelas mãos de cantores como Barbara Bonney, Thomas Quasthoff e Claudio Desderi. Foi um momento muito bonito que recordarei sempre com um sorriso. 


JP: E pode partilhar um momento que o tenha marcado na sua participação na Academia de Ópera do Festival de Verbier? 


Nuno: É difícil escolher um único momento dessas três semanas em que tive a oportunidade de aprender muitíssimo e conviver com cantores tão consagrados. Estive entre seres humanos muito especiais, que têm a capacidade de transmitir a sua energia de forma muito generosa e intensa, o que me agradou bastante. O contacto constante com o público, que assistia às sessões de trabalho todos os dias, foi igualmente marcante pela proximidade tanto dentro como fora do palco. Era como se o público se tivesse tornado parte de nós. A maior conquista que trouxe daquelas montanhas foi, sem dúvida alguma, a confiança! Aprendi a acreditar no meu valor e na seriedade e qualidade do meu trabalho. Quando artistas como Barbara Bonney, Thomas Quastoff ou Claudio Desderi nos dirigem mensagens tão bonitas e positivas, é impossível não acreditar que estamos no caminho certo. 


JP: De que forma a bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para a rede ENOA influenciou a sua trajetória no contexto da ópera europeia? 


Nuno: Ao atribuir-me esta bolsa para vários eventos do ENOA, a Fundação Calouste Gulbenkian desempenhou um papel crucial no meu percurso de cantor. Foi através desta bolsa que tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com Tom Krause e Cláudio Desderi, que foram fundamentais no meu desenvolvimento vocal e artístico. Além disso, permitiu-me participar em eventos operáticos fora de Portugal, o que me abriu horizontes e expôs-me a novas realidades sociais e artísticas. 


JP: Há alguma performance, obra ou projeto do qual se sinta particularmente orgulhoso? 


Nuno: Tenho a felicidade de ter conseguido concretizar alguns dos meus maiores sonhos musicais, cantando peças magníficas como o Requiem de G. Verdi, o Requiem de W. A. Mozart, o Requiem de G. Fauré, a Paixão segundo S. Mateus de J.S. Bach, e de ter interpretado papéis emblemáticos como Filipe II na ópera Don Carlo de G. Verdi e Sarastro em A Flauta Mágica de W. A. Mozart. No entanto, tenho um orgulho especial no meu trabalho "Canções Pagãs", dedicado ao cancioneiro de Luiz Goes, considerado um dos expoentes máximos da canção de Coimbra. 


JP: O que é que o motivou a dedicar-se ao projeto “Canções Pagãs”? Conte-nos como foi o processo criativo e de seleção de músicas. 


Nuno: Este trabalho esteve na minha cabeça durante muito tempo, já desde a altura em que estudava na Universidade de Aveiro. Sou um apaixonado pela música de Luiz Goes. Durante a licenciatura, ao ter contacto com os lieder de Franz Schubert, Robert Schumann, Hugo Wolf e mesmo Johannes Brahms, senti que poderia haver uma aproximação da linguagem poética (musical e literária) de Luiz Goes a este estilo musical. Por isso, pensei: com as devidas adaptações, porque não fazer um recital com os lieder de Schumann e as canções de Goes? Tive o privilégio de o meu grande amigo e soberbo músico Luís Figueiredo ter aceitado entrar nesta aventura e ter feito os arranjos para piano. Conversámos bastante, encontrámos pontos de encontro, e a liberdade criativa do Luís deu origem a este trabalho, de que me orgulho bastante. As músicas foram selecionadas de maneira a criar uma coesão temática. Para este trabalho escolhemos os seguintes ciclos temáticos: “Canções do Mar”, “Canções de Amor” e “Canções Pagãs. 


JP: Também faz parte do projeto “Entre Mulheres”, apresentado em 2022, que junta uma voz feminina à guitarra de Coimbra. Fale-nos sobre isso. 


Nuno: A criação do "Entre Mulheres" foi muito marcante na minha carreira e na da soprano Ana Paula Russo. Surgiu da vontade de explorar novas dimensões dentro da música portuguesa e de desafiar as convenções, já que este é um encontro entre a voz feminina e a singularidade da guitarra de Coimbra. A escolha e adaptação dos temas foi um exercício cuidadoso, em que procurámos peças não só pela sua melodia e significado lírico, mas também pela sua ligação às nossas origens culturais. Eu e a Ana Paula Russo, tendo como base a recolha feita por Michel Giacometti, selecionámos temas de várias regiões, como Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo, que refletem a variedade e profundidade da nossa herança musical. Cada arranjo foi pensado para valorizar de igual forma a guitarra e a voz, assegurando que ambos se enriquecem mutuamente. Procurámos também homenagear o legado de Carlos Paredes e abrir caminhos para a expressão da identidade cultural portuguesa através da música.


JP: Foi aluno e depois Docente Assistente na Universidade de Aveiro. Gosta de ensinar? Que impacto teve essa experiência no seu desenvolvimento pessoal e profissional? 


Nuno: Gosto muito de ensinar e recordo o período em que dei aulas com muito orgulho. Durante o ano letivo de 2013/14, num contexto de profunda partilha e proximidade com a Professora Isabel Alcobia, a quem muito e agradeço a confiança, pude desenvolver um trabalho muito positivo com os alunos de canto da Universidade de Aveiro. Foi um ano de extrema exigência, durante o qual também eu amadureci enquanto pessoa e cantor. O ato de partilhar conhecimento desafia-nos a melhorar continuamente e faz com que nos tornemos a melhor versão de nós mesmos em cada aula que damos. A recetividade da generalidade dos alunos e o reconhecimento da Professora Isabel foi algo que me encheu a alma.   


JP: Há alguma curiosidade ou facto interessante sobre si que gostaria de partilhar? 


Nuno: Sou um apaixonado pela Guitarra de Coimbra, instrumento cuja linguagem vou percorrendo com afinco. 


JP: O que é que o apaixona neste instrumento? 


Nuno: A sua alma e a sua profundidade poética. A música dos Paredes (Carlos e Artur) ou de Goes tem o poder de me emocionar profundamente. Quando me expresso por meio desta guitarra, consigo aceder a sentimentos e pensamentos que habitam num local muito profundo em mim.  


JP: Quais são os seus passatempos ou atividades de lazer? 


Nuno: Tenho um enorme gosto por fotografia, desporto e automóveis clássicos. Antes de a música entrar em definitivo na minha vida, fui estudante de engenharia mecânica, em Coimbra, devido à paixão pelo mundo automóvel. 


JP: O que espera alcançar nos próximos anos? 


Nuno: Espero relançar a minha carreira artística depois de um período de pausa. Após a minha permanência em Berna, onde atuei como cantor residente no Stadttheatre Bern (uma casa de ópera e teatro em Berna, na Suíça) na temporada de 2014/15, ingressei no Coro do Teatro Nacional de São Carlos, porque queria voltar para casa e estar mais perto da minha família. Esta escolha conduziu a uma menor visibilidade da minha atividade como solista. Além disso, nessa altura, deixei a guitarra de lado… Agora, aos poucos, estou a retomar o canto e a guitarra e a tentar desmontar os estereótipos associados ao papel de um coralista. Também retomei as rotinas de trabalho que me permitiram atingir o nível de reconhecimento que já tive no passado. A vida é feita de ciclos e pressinto que está se está a iniciar um novo ciclo muito luminoso. 


JP: Gostaria de partilhar alguma coisa com o seu público? 


Nuno: Na certeza de que nem sempre tudo correrá como melhor desejamos, regresso sereno, ao saber que tudo faço, de coração pleno, para chegar a cada um que me escuta. 


JP: Que conselho dá à futura geração de músicos e cantores? 


Nuno: Sejam rigorosos e sinceros, trabalhadores e sonhadores. Acima de tudo, vivam a vida como um bonito e profundo poema de amor.


*Entrevista ao cantor lírico Nuno Dias publicada originalmente em www.proart.art

Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos


Quer saber mais? Veja e oiça abaixo duas das suas belas atuações:





Poderá encontrar mais informações sobre Nuno Dias em:

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