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Nani Medeiros: uma voz que atravessa fronteiras

Atualizado: 22 de ago.


Nani Medeiros

Por Joana Patacas*, em 10 de agosto de 2024


Nani Medeiros é um nome que tem brilhado cada vez mais no panorama musical luso-brasileiro. Com uma voz envolvente e uma presença em palco magnetizante, esta jovem cantora tem conquistado corações e ouvidos por onde passa. A sua trajetória é marcada por uma paixão inabalável pela música e por uma busca constante por aprimoramento e diversidade artística.


Nani Medeiros é aquela voz plena que todos precisamos ouvir. Aquela que nos conforta quando parece que o amor é o fim e nos mostra que ele é apenas o começo.” – Noize

Desde cedo, Nani demonstrou ter talento para o canto. Crescendo num ambiente familiar repleto de estímulos musicais, absorveu influências diversas, que moldaram o seu estilo eclético e versátil, com influências do samba-canção, choro, bossa nova e MPB.


A sua carreira profissional descolou em 2012, quando decidiu dedicar-se integralmente à música. Dois anos depois, em 2014, lançou o seu primeiro EP autoral, que revelou ao público uma artista com uma identidade musical muito própria e cativante. Mas foi com o álbum "Valentia", de 2017, que Nani Medeiros se afirmou verdadeiramente como uma das grandes promessas da música brasileira. O disco, recheado de canções inéditas de renomados compositores, evidenciou a maturidade artística e interpretativa da cantora.


"Nani Medeiros é uma artista. É mais que cantora. É mais que atriz. Mais que intérprete. Ela é mais." - Artur José Pinto (ator, diretor de teatro e dramaturgo)

Além dos projetos autorais, a cantora gaúcha também brilhou em espetáculos musicais de grande envergadura, como "Lupi - O Musical, Uma Vida Em Estado de Paixão", "O Maestro, O Malandro & O Poeta" e "Estação Brasil - A Música Brasileira na Era do Rádio". A sua versatilidade vocal e presença cénica conquistaram plateias e críticos, consolidando-a como uma artista completa e multifacetada.

 

Mas a trajetória de Nani Medeiros não se limitou às fronteiras brasileiras. O seu encontro com o fado português abriu novos horizontes e possibilidades artísticas. Conquistada pela profundidade e emoção deste género musical, mergulhou de cabeça no universo fadista, conquistando o respeito e a admiração da comunidade portuguesa, tanto no Brasil quanto em Portugal.


"Com uma voz emocionante e uma presença cativante, Nani Medeiros traz a brasilidade e a versatilidade musical para os palcos." - GZH

A mudança para Lisboa, em 2019, foi um passo decisivo na carreira de Nani. Ela abraçou a oportunidade de se aprofundar no fado e de expandir os seus horizontes musicais. Mesmo enfrentando os desafios de se estabelecer num novo país, Nani manteve-se firme no seu propósito e continuou a encantar o público com a sua arte.

 

Nesta entrevista exclusiva, Nani Medeiros partilha detalhes da sua jornada musical, revelando os bastidores de uma carreira em constante ascensão. Com uma autenticidade e paixão contagiantes, ela convida-nos a entrar no seu universo artístico e a compreender o que move uma cantora que tem a música como razão de viver.



Como é que começou a sua paixão pela música?

 

A minha paixão pela música surgiu de maneira muito natural e familiar. Sou a mais nova de quatro irmãos, com uma diferença de idade significativa entre nós – o meu irmão mais velho nasceu em 1973 e eu em 1985 –, e cresci rodeada de influências musicais. Os meus pais adoravam colocar vinis para tocar em casa, mas foram os meus irmãos que realmente me mergulharam no mundo da música. Eles escutavam de tudo: trilhas sonoras de filmes, música de orquestra, música clássica, rock and roll e, claro, muita música brasileira. Na escola, participei de aulas de musicalização e coral. Apesar de nunca ter tido aulas formais de canto, sempre fui muito incentivada a explorar a minha musicalidade. Desde cedo, a música fazia parte da minha vida, tanto em casa quanto na escola.

 

Como é que se iniciou no mundo das artes?

 

O meu primeiro contacto artístico veio do meu interesse em aulas de teatro aos 15 anos, no TEPA (Teatro Escola Porto Alegre), na tentativa de superar minha timidez. Eu era uma menina muito tímida; em casa não era, mas fora, com familiares e amigos, era extremamente tímida. Musicalmente, comecei com aulas de piano aos 11 anos, incentivada pela minha mãe, que encontrou uma professora particular no mesmo prédio onde meus pais tinham um escritório de advocacia. Fiz aulas de piano por três anos. Apesar do incentivo familiar, nunca pensei que a música pudesse ser uma profissão. Brincava muito de cantar e fazer playback, mas sempre de forma natural e sem pressão. A minha mãe deixava que eu seguisse meu próprio ritmo, sem impor qualquer obrigação.

 

Nesta altura, o canto já fazia parte da sua vida?

 

Eu sempre cantava em casa. O meu irmão, que tocava violão e fazia aulas de coral, me convidava para cantar com ele, dizendo "vem cá cantar comigo, vem cá fazer esse dueto." Ele sempre destacava que eu era muito afinada, e as pessoas queriam me ouvir cantar. Mas eu levava isso como uma brincadeira, sem pensar seriamente em estudar música. Aliás, quando comecei a pensar em seguir uma área artística, inicialmente foi através do teatro. Continuei fazendo cursos de teatro, mas só recentemente, há cerca de cinco anos, decidi fazer aulas de violão. No entanto, não continuei por muito tempo, fiz apenas cinco meses e depois parei. Foi uma experiência. Eu não toco nenhum instrumento; o meu instrumento é a minha voz.

 

Pode-nos contar sobre os seus primeiros passos profissionais na música?

 

A primeira vez que cantei em público foi ainda na escola, quando tinha 16 ou 17 anos. Fui convidada para fazer uma homenagem aos pais cantando, e essa foi a minha primeira experiência de palco. Embora ainda não pensasse no canto como profissão, comecei a flertar com a ideia de fazer disso a minha carreira. Entretanto, comecei a trabalhar profissionalmente com locuções e jingles quando ainda estava na faculdade. Uma colega de curso me incentivou a participar num festival de talentos da Aliança Francesa, e para isso, precisei gravar uma música em estúdio. Acabei por tirar o terceiro lugar. Com esse material de áudio gravado, sem orientação nenhuma, procurei todas as agências de produção de áudio da minha cidade. Escrevi para elas, dizendo: "Sou estudante de Direito, tenho este registo de voz, gosto muito de cantar". Enviei na intenção de, se gostassem da minha voz, quererem trabalhar comigo. Foi uma coisa muito natural, genuína, e muito da minha cabeça. Através desses contactos por e-mail, algumas agências começaram a me chamar para ir até as produtoras fazer mais registos de voz, e foi assim que comecei a trabalhar com a minha voz. Em 2009, me formei em Direito e comecei a trabalhar no escritório do meu pai, mas continuei a fazer locuções e jingles durante os intervalos para almoço e após o expediente. Em 2012, com a redução do trabalho no escritório, o meu pai me incentivou a seguir a carreira musical, pois via que era o que realmente me deixava feliz. Decidi então me dedicar completamente à música. Comecei a criar projetos, como o show tributo "Essa Mulher – Nani Medeiros canta Elis Regina", por exemplo, e a minha carreira engrenou rapidamente. Nessa época, conheci muitos músicos e compositores e fui entrando na cena musical de Porto Alegre. Desde então, tenho trabalhado exclusivamente com música.

 

E cerca de dois anos depois, em 2014, grava o seu primeiro EP autoral que reúne as faixas “Amor Magoado” e “Valentia”. Foram dois anos muito intensos?

 

O EP foi lançado através da produtora de áudio Loop Reclame, com quem eu já trabalhava na parte das locuções e dos jingles. Eles lançaram a Loop Discos, um selo independente de artistas, e essas gravações foram feitas com eles. Desde 2012, eu já tinha começado a fazer algumas parcerias e a conviver com músicos que trabalhavam com choro e samba, os géneros com que eu mais me identificava. Como eu não componho, sou apenas intérprete, foi essencial conhecer pessoas que compunham o que eu gostava. Isso criou um laço de identificação e a vontade de gravar. Muitos músicos demoram a encontrar esse lugar, mas eu tive a sorte de me encontrar relativamente rápido. Assim, o passo seguinte foi lançar o meu primeiro EP com as faixas "Amor Magoado" e "Valentia". Esta última, mais tarde, seria o nome do meu primeiro álbum.

 

Essa aproximação ao universo da música brasileira tradicional levou a outros projetos?


Essas influências já vinham de trás, mas houve uma aproximação maior à música brasileira tradicional a partir do momento em que decidi me dedicar exclusivamente ao canto. Isso, juntamente com a minha formação em teatro, levou ao convite para participar no musical sobre a vida e obra de Lupicínio Rodrigues, um grande compositor gaúcho do samba-canção, choro e seresta. Estreei como atriz no "Lupi, o Musical – Uma Vida em Estado de Paixão", em 2014, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. No mesmo ano, participei no musical "O Maestro, o Malandro e o Poeta – Tom, Chico e Vinícius". Um ano depois, em 2015, já depois de ter lançado o EP, estive no musical "Estação Brasil – A música brasileira na era do rádio". Todos esses musicais tiveram roteiro e direção de Artur José Pinto. Além desses projetos, trabalhei durante um ano como apresentadora no canal OCTO da RBS TV, um canal afiliado da Rede Globo. Trabalhar na televisão foi uma das experiências mais incríveis que já tive. Adoraria trabalhar novamente num projeto semelhante.

 

Ser apresentadora de televisão teve um impacto na sua carreira musical?

 

Teve um impacto muito positivo. O trabalho no canal me deu visibilidade e permitiu que as pessoas conhecessem melhor o meu trabalho. Eu tinha um quadro musical onde convidava um artista da minha cidade para entrevistar e no final cantávamos juntos. Isso ajudou a impulsionar tudo o que eu já fazia musicalmente. Foi uma experiência muito impressionante, especialmente por ser ao vivo, o que me ajudou a desenvolver os timings e a capacidade de improvisar. Foi uma montra muito boa para mim e complementou minha carreira musical.

 

Entretanto, em 2017, lança o seu primeiro álbum “Valentia”. Como foi o processo de criação?

 

As canções desse álbum são, na maioria, de dois compositores: Mathias Pinto e Alexandre Susin. Já conhecia o Mathias, porque foi ele quem fez a direção musical dos três musicais em que participei. Além disso, ele é um compositor muito respeitado no género do samba-canção, choro e chorinho. Quando começamos a trabalhar juntos, ele ficou muito entusiasmado por ter uma cantora para interpretar as suas composições, e eu gostava muito do que ele escrevia. A música "Valentia", que dá nome ao meu primeiro disco, foi gravada primeiramente no EP homónimo “Nani Medeiros” em 2014, com um arranjo diferente, com sopros e uma interpretação vocal ainda tímida e imatura. Em 2017, a mesma canção foi reintroduzida no álbum, com uma nova versão bastante mais batucada, que inclui o piano incrível de Fernando Leitzke e uma voz já muito mais firme e consciente. Quem também produziu este disco junto com o Mathias foi o meu companheiro, o produtor musical e violonista João Pita, que conheci em 2015, quando ele foi fazer um concerto em Porto Alegre e eu fui uma das cantoras convidadas. O João sempre trabalhou com samba, e também com fado em São Paulo, devido às suas raízes portuguesas. Ele conhecia o Mathias, o que facilitou a colaboração entre os três para fazer os arranjos e as composições do álbum. Além das músicas do Mathias, o disco inclui composições de outros grandes nomes, como Paulo César Pinheiro, um grande poeta e compositor cujas canções foram gravadas por Elis Regina. Decidimos lançar o álbum pela Loop Discos, o mesmo selo que havia lançado o meu EP. Usamos todas as salas da Loop para fazer uma gravação ao vivo, o que é bastante diferente do método usual de gravar cada parte separadamente. Entrámos em estúdio e gravámos tudo numa semana. As canções são todas inéditas e foram pensadas especialmente para a minha voz pelo Mathias e pelo Alexandre.

 

Como é que se deu a sua aproximação ao Fado português, que atualmente é uma parte muito importante da sua carreira?

 

O fado não foi uma novidade para mim, pois tive contacto com ele muito cedo, por volta dos 12 anos. Isso aconteceu através do meu tio, que mora em Portugal desde os anos 90 e é músico. Numa visita a Porto Alegre, ele trouxe um disco da Dulce Pontes para a minha mãe, que é irmã dele. Eu era uma criança que adorava música e lembro-me de ouvir muito "Canção do Mar", gravada pela Dulce Pontes. Na época, eu até brincava de imitar o sotaque português. Mais tarde, quando conheci o João e começamos a nos relacionar, houve uma troca de influências musicais. Ele me apresentou a artistas como Amália Rodrigues, Ana Moura e Carminho. Eu adorava ouvir, mas não pensava em nenhum momento dizer: "Olha, que bom isso! Dá vontade de cantar." Eu simplesmente gostava de ouvir.

 

E como é que começou a cantar Fado?

 

A oportunidade surgiu de forma inesperada, quando eu estava a terminar o meu trabalho no canal OCTO, na RBS TV, emissora afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul, e tinha decidido ir com o João para São Paulo e visitar as casas de fado, pois estava cada vez mais interessada nesse género musical. Entretanto, um amigo meu de Goiânia ligou-me a dizer que ia abrir um bistrô português com a família e queria que eu cantasse fado na inauguração porque tinha visto um vídeo onde eu cantava um fado num concerto em Porto Alegre, que foi filmado por uma portuguesa que estava na plateia e que me marcou nas redes sociais. Expliquei-lhe que aquilo tinha sido uma experiência e que eu não cantava fado. Eu já entendia que o fado era um género muito próprio e não algo que se canta de qualquer maneira, especialmente porque eu já trabalhava com géneros específicos como o samba-canção, o choro e a seresta. Mas ele insistiu muito e disse: "Não precisa responder agora. Pensa. Se aceitares esse desafio, vamos marcar a inauguração para quando te sentires preparada." Fiquei impressionada, pensando: "Imagina, deixar a estreia da casa por minha conta."

 

Mas aceitou o desafio?

 

Sim, e encarei-o como uma encomenda, como um pintor que recebe uma encomenda e diz, "Pronto, vou trabalhar para isso." Peguei nesse desafio com essa mentalidade, e não como se estivesse a decidir que ia passar a ser uma cantora de fado. Eu sou realmente muito preocupada com essas coisas e levo-as muito a sério e em momento algum pensei que era fadista. Para mim, aquilo era um terreno desconhecido. Isto foi em junho de 2016, e a inauguração foi no final desse ano. Nesta altura limitava-me a ler os fados; ainda não tinha a noção do que era viver o fado, que é algo muito particular, muito próprio, uma linguagem popular e urbana, muito intensa.

 

E como é que foi essa experiência? Como é que se preparou?

 

Foi uma experiência muito intensa. É um género muito emotivo e visceral, e muito diferente de tudo o que já tinha feito. Quando decidi aceitar esse desafio, percebi que precisava de uma base sólida para entender esse estilo de canto tão distinto. Para isso, apoiei-me em grandes cantoras como Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira, que cantavam nas rádios e no teatro de revista. A minha experiência com o samba-canção e a seresta ajudou-me a compreender a sustentação de notas e a dolência necessárias para o fado. Contudo, não há um curso específico para aprender a cantar fado; é preciso estar em Portugal, nas casas de fado, arriscar-se e experimentar. Por isso, utilizei a minha experiência com esses géneros musicais históricos que partilham algumas semelhanças com o fado. Notei também que não conseguia cantar fado sem o sotaque português, pois há uma métrica específica na forma como os portugueses cantam e falam, onde as vogais são quase impercetíveis. Percebi que, para interpretar o fado autenticamente, precisava adotar esse sotaque. Para mim, isso era essencial para que a música soasse verdadeira. No entanto, uso o sotaque apenas para cantar; não falo com sotaque português no meu dia-a-dia, pois seria estranho. Esta experiência juntamente com o tempo que eu estive em São Paulo a conhecer casas de fado e fadistas fez com que eu fosse “picada pelo “bicho” do fado e começasse a gostar verdadeiramente de cantar e ouvir este género musical.

 

Isso coincidiu com o lançamento do seu primeiro disco "Valentia"?


Sim, foi exatamente nessa época. Depois de fazer a inauguração do bistrô, comecei a conhecer a comunidade portuguesa no Brasil. Em São Paulo, descobri o “Fado Vadio”, um local onde os portugueses se reuniam para cantar. Comecei a integrar essa comunidade e percebi que era uma novidade ter uma pessoa jovem interessada em fado, uma música tradicionalmente associada a pessoas mais velhas. O “Fado Vadio” era composto principalmente por senhores mais idosos, por isso, ter alguém mais novo envolvido era visto como algo positivo para a continuidade desta tradição. Comecei a ser conhecida em São Paulo e a receber convites para fazer shows cantando fado. Curiosamente, 2017 acabou por ser um ano em que trabalhei mais com fado do que com o meu próprio disco. O meu pai notou isso e ofereceu-me uma viagem a Portugal para que eu pudesse explorar mais esta música.


Foi nessa altura que começou a considerar Portugal como uma possível base para a sua carreira musical, especialmente em comparação com outras cidades no Brasil?


Sim, foi nessa época. Nós morávamos em Porto Alegre. Artisticamente, no Brasil, os polos musicais são as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Pensávamos na possibilidade de nos mudarmos para São Paulo, pois em Porto Alegre eu sentia que já tinha atingido o teto artisticamente. Já tinha participado em musicais, trabalhado na televisão e feito muitos projetos que queria fazer. Pensávamos em nos mudar para São Paulo, pois o eixo cultural “Rio-São Paulo” tem um mercado com maior diversidade e oportunidades artísticas, em se tratando do Brasil. Mas a cidade de São Paulo, cidade natal do João Pita, já dava sinais de estar com um mercado bastante inflado e absurdamente concorrido Quando viemos para Portugal, foi o ano em que lancei o meu disco. Aproveitei a viagem e a Loop Discos marcou vários shows para o divulgar. Não viemos com a intenção de “turistar”, mas para passar mais tempo em Lisboa e conhecer a cidade. Numa altura em que estávamos com dúvidas sobre onde nos sediar para continuar as nossas carreiras, Portugal surgiu como uma alternativa ao Brasil, onde poderíamos explorar novas oportunidades artísticas e culturais.


Estar em Lisboa aprofundou a sua relação com o fado?

 

Sem dúvida! Exato! Quando tive a oportunidade de ir a Lisboa, pensei: "Agora vou poder estar no lugar de onde o fado é originário." Já acompanhava muitos artistas daqui como Teresinha Landeiro, Raquel Tavares, Ana Moura e Carminho. Então, eu ia estar na cidade dessas pessoas, podendo ouvir o fado cantado onde ele nasceu. Estive em Lisboa durante 40 dias e dediquei-me quase exclusivamente ao fado, pois o meu principal objetivo era mergulhar nesse universo musical Claro que aproveitei para divulgar o meu disco com o João. Fiz shows em algumas lojas FNAC e até um concerto em Óbidos com o Ricardo Araújo, um guitarrista brasileiro especializado em fado. Mas, nesse período, praticamente não ouvi música brasileira – estava totalmente imersa na atmosfera do fado.

 

Foi bem recebida?

 

Muito! No segundo dia já estávamos começando a nos integrar com a malta dos Fados, começando a conhecer músicos e a fadistas que já acompanhávamos quando morávamos no Brasil. Foi com essas pessoas que ficámos e aproveitámos a viagem do início ao fim. Foi um verdadeiro intensivo de Fado. Tivemos oportunidade de ouvir e conhecer pessoas como Celeste Rodrigues (irmã de Amália Rodrigues), Maria da Nazaré, Ana Sofia Varela, Camané, Ricardo Ribeiro, Pedro Moutinho, entre muitos outros. Se não tivesse sido tão incrível, talvez eu nem tivesse tido vontade de vir morar para cá. Lisboa poderia ser um lugar de que eu gostaria sempre de visitar, mas o que aconteceu foi diferente. Fui embora depois desses 40 dias chorando, não querendo ir embora, e com a sensação de que queria morar nesse lugar. E olha que eu nunca tinha morado em outro lugar além de Porto Alegre. Assim, quando voltamos de Lisboa para o Brasil, decidimos que queríamos viver em Portugal.


E como foi esse processo de mudança?


Foi uma decisão que exigiu muita coragem, pois a minha vida no Brasil era muito estável: tinha a minha família e bastante trabalho. Mas havia esse desejo de viver novas experiências e de me expandir para outros lugares. O meu companheiro é cidadão português, e estar em Portugal estrategicamente nos permitiria ter mais oportunidades para nos apresentarmos em países vizinhos, algo que, provavelmente, seria mais difícil se nos mantivéssemos no Brasil. Não viemos por impulso. Programámos a mudança entre 2018 e 2019, sabendo que poderia não dar certo, embora eu não tivesse essa pressão, pois tinha para onde voltar. Foi uma escolha pensada e ponderada. E eu não pensava em trabalhar com fado em Portugal, queria continuar com meu trabalho como cantora brasileira de samba, canção e choro. O meu objetivo não era ser fadista.

 

Como foi chegar a Portugal e de que forma a pandemia impactou a sua carreira?

 

Cheguei a Portugal em novembro de 2019 e fui logo fazer um show no Super Bock Em Stock. A preparação foi essencial porque mantive os contactos que fiz na primeira viagem com amigos produtores, e isso realmente salvou a minha estada aqui, já que tinha canais para trabalhar. Com a pandemia, tudo parou, mas tínhamos um aporte emocional e financeiro que nos ajudou a ultrapassar esse período. Eu vim programada economicamente para isso, embora obviamente precisava de trabalhar para as coisas começarem a acontecer. Com a pandemia, não havia o que fazer, mas o fundamental foi ter esse suporte. Tínhamos amigos que nos acolheram, o meu tio que mora no Algarve, e eu estava muito bem rodeada em Lisboa. Aprendi que um amigo português é daqueles que fazem tudo você! Além disso, recebi o apoio da minha família, que me encorajava a ficar, dizendo que este era o lugar para mim e que logo as coisas voltariam ao normal. De facto, as coisas voltaram mais cedo ao normal em Portugal do que no Brasil. Depois de passar por isso, passo por qualquer coisa!


Fale-nos dos seus projetos em Portugal.

 

Em 2021, por convite do Hélder Moutinho, fomos convidados para participar num festival de música online chamado “MUP – Música Urbana Portuguesa”, para o qual criámos o show “Travessia”, com um repertório de músicas que ilustram o que eu estou vivendo cantando desde o Brasil até Portugal, e que acaba por retratar muito as minhas vivências musicais. O show foi gravado ao vivo no estúdio Namouche, em Lisboa, da maneira que mais gosto, ou seja, sem edições. O material ficou tão bom que decidimos utilizá-lo para fazer o EP “Travessia”. Em 2023, apresentei o show em Sevilha, e neste ano de 2024 no Festival Nos Alive, no Palco Fado. Foi uma grande satisfação. Paralelamente, estou trabalhando no meu próximo disco, que já incorpora a linguagem do Fado, com Guitarra Portuguesa e a viola baixo. Como não componho, sou só mesmo intérprete, tenho tido a alegria de receber composições feitas especialmente para mim. Uma delas se chama “Mil Pessoas” e é um “Choro meio Fado” – inclusive, a letra brinca com isso. Tem música do grande compositor e violonista Maurício Carrilho e letra de Roberto Didio. Cada vez mais, Didio, por saber da minha relação com o Fado, tem composto canções brasileiras que “conversam” com o Fado. Muito em breve, devo lançar dois singles da autoria do incrível compositor e pianista Cristóvão Bastos e também de Roberto Didio. Estas duas músicas foram gravadas na Casa do Choro, no Rio de Janeiro, com a participação do Cristóvão, de Miguel Rabello e João Pita. Depois, pretendo entrar em estúdio e gravar todas as faixas do disco num só lugar, para ter unidade. Já tenho muitas canções que venho estudando, mas o repertório ainda não está fechado. Há a possibilidade de entrar um Fado feito especialmente para mim. Quem se ofereceu, com muita gentileza e carinho, foi o incrível compositor e amigo Tiago Torres da Silva, o que me deixou muito contente e honrada. Ficaria muito feliz em gravar um fado novo, feito especialmente para mim. Quero fazer esse disco com calma. Ter contribuições de compositores portugueses e um resultado que reflita toda a minha trajetória e as influências que trago comigo. O fado está junto, não tem como não estar, já não é possível tirar de mim. Vou continuar trabalhando com o samba-canção e o choro, mas esse trabalho que está por vir tem a essência do fado, mesmo que ainda não inclua nenhum propriamente dito. A ideia é prosseguir com o segundo disco, aproveitando o lançamento do EP "Travessia", sem pressa, para chegar a um álbum que represente essa minha caminhada musical.

 

Qual tem sido o maior desafio desde que se mudou para Portugal?

 

Sinto que ainda sou muito questionada sobre a questão do fado. As pessoas querem saber se sou uma fadista brasileira, tentam-me “rotular”. Mas eu me considero uma intérprete, e o fado mudou muito e contribuiu significativamente para minha construção como tal. Tenho muito respeito e felicidade por ter encontrado essa música. Uma coisa que me surpreende é que as casas de fado começaram a me chamar para trabalhar, algo que não esperava que fosse acontecer. Sempre me preocupo em deixar claro que gosto de trabalhar com fado, mas não vou fazer disso a minha atividade principal. Isso me influencia e tenho o prazer de cantar, e vou continuar enquanto for verdade para mim. Um desafio e uma felicidade foi o convite de João Braga para participar dos seus 55 anos de carreira no Teatro São Luís. Fui a única brasileira em palco, cantando fado com ele e também um samba-canção. Foi um momento de nervosismo, mas também de lisonja, pois não conheço outra brasileira que tenha vivenciado isso. O reconhecimento de ser chamada por uma pessoa como essa ou para cantar no clube de fado é significativo. Além disso, poder usar do ambiente do fado, que requer silêncio e atenção, para cantar o samba-canção é gratificante.

O meu maior desafio é continuar perpetuando esse trabalho que venho fazendo, que me dá mais prazer, sempre tendo cautela de onde e com quem cantar. A qualidade das coisas é mais importante do que a quantidade, e isso continua sendo muito coerente para mim.

 

O que é a música para si?

 

É uma razão de viver e de existir. Apesar de ainda ser jovem, acredito que já aprendi algumas coisas importantes. Para manter esse sentido, é preciso ter muito cuidado, pois transformei a música na minha profissão. Como num relacionamento, é necessário cuidar para não desgastar as coisas, tratar tudo com muito zelo. Sinto que a música é o que tenho para fazer nesta vida. É o que me deslumbra e faz feliz. Quando faço um show, me arrepio no palco milhares de vezes. Isso, para mim, é transcendental. Quando faço uma pessoa se emocionar, mudo o dia dela. Como vivi com o fado no Brasil, vi pessoas que viajavam de muito longe para me assistir cantar, pessoas que conheciam o fado através de mim, se emocionavam e choravam. Acredito que isso dá sentido à vida da gente. Para mim, a música dá sentido à minha vida. Então, preciso cuidar muito bem disso para continuar tendo razão de viver.

 

O que é que gosta de fazer quando não está a cantar?

 

Nos meus tempos livres, gosto de me exercitar, o que me faz muito bem. Sempre fui muito ativa e pratiquei diversos desportos e atividades físicas. Além disso, adoro estar com os meus amigos e a minha família – uma das coisas que mais me custa é estar longe dela. Viajar é outra paixão, e minha profissão permite-me visitar muitos lugares, algo que amo fazer.

 

Que conselho daria a si própria quando começou a sua carreira?

 

O conselho que eu daria a mim mesma é não ter medo e seguir em frente. Continuar a procurar oportunidades e não hesitar, como fiz ao enviar gravações para produtoras de áudio no início da minha carreira. Acredito que o universo conspira a nosso favor quando nos movimentamos em direção aos nossos objetivos. Eu diria para mim mesma continuar atenta aos meus instintos e seguir o caminho que acredito ser o certo.


Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos

Fotografia de Nani Medeiros por Alípio Padilha


Quer saber mais? Veja e ouça abaixo uma das suas belas apresentações:



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