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Joana Marques

Duo Tágide: Uma viagem musical do Barroco ao Contemporâneo”


Duo Tágide Inês Simões e Daniel Godinho

Por Joana Patacas*, em 14 de janeiro de 2025


Com cerca de duas décadas de colaboração, o Duo Tágide, composto pela soprano Inês Simões e pelo pianista Daniel Godinho, emerge como uma das parcerias mais notáveis e consistentes no panorama da música erudita em Portugal. Tendo-se conhecido durante os seus estudos na Academia Nacional Superior de Orquestra, em Lisboa, os dois artistas rapidamente descobriram uma paixão compartilhada pelo repertório vocal e pianístico, dando início a uma trajetória musical que perdura até hoje.

 

“Não é comum uma relação tão duradoura e regular entre o mesmo cantor e o mesmo pianista como a nossa. Acreditamos que isso realmente faz a diferença no nosso caso.”

 

O Duo Tágide destaca-se pela longevidade da sua colaboração e pelo audacioso repertório que abraça, desde as complexidades expressivas do barroco até à inovação da música contemporânea. Com performances em várias línguas, incluindo alemão, finlandês e português, a dupla homenageia os clássicos consagrados e explora avidamente obras contemporâneas, mantendo um compromisso especial com a canção erudita portuguesa. A sua abordagem arrojada e refinada tem-lhes granjeado um lugar de destaque nas mais prestigiadas salas e festivais de música do país, além de serem presenças regulares em concertos transmitidos pela Antena 2.

 

“É preciso criar o hábito de programar música contemporânea de forma consistente, e isso vai além dos programadores: passa também pelos próprios músicos, que, ao organizarem festivais e eventos, podem encorajar a inclusão deste repertório nas programações.”

 

Ao longo dos anos, o Duo Tágide consolidou a sua identidade através de iniciativas ambiciosas como a gravação do álbum "Alma Ibérica", e ao estabelecer uma forte conexão com o público através de projetos que refletem profundamente a sua identidade portuguesa e a paixão pela palavra e poesia. O segundo álbum “Outonalma” – Ciclos de canções do século XXI de compositores portugueses foi lançado em dezembro de 2024 e já está disponível nas principais plataformas digitais.

 

Nesta entrevista exclusiva à SMARTx, ficamos a conhecer melhor o Duo Tágide, que não é apenas uma colaboração musical, mas um diálogo continuado entre dois músicos que, através da sua arte, exploram e expandem as fronteiras da música.

 

 

Como é que surgiu o Duo Tágide?

 

Daniel Godinho (DG): O Duo Tágide surgiu de uma parceria que começou há cerca de 20 anos, quando eu e a Inês éramos jovens estudantes na Academia Nacional Superior de Orquestra. Desde cedo, eu tinha um grande interesse pelo repertório vocal e, durante o nosso período académico, tive a oportunidade de explorar esse género musical com a Inês. Rapidamente percebemos que tínhamos uma ligação especial e uma verdadeira vontade de levar a nossa colaboração mais a sério, embora nessa época o nosso duo ainda não tivesse este nome. Ao longo do tempo, participámos em masterclasses internacionais, concursos e diversos concertos, o que nos permitiu enriquecer e expandir o nosso repertório juntos. Desenvolvemos uma obra vasta e diversificada, que abrange desde o período barroco até à música moderna, em várias línguas, incluindo alemão, finlandês e português. A nossa programação é ousada, englobando tanto obras clássicas como contemporâneas, com um foco especial na canção portuguesa.

 

Como é que se se iniciou a vossa parceria na ANSO?

 

Inês Simões (IS): Conhecemo-nos no primeiro ano da licenciatura, num curso que já não existe, mas que na época incluía uma disciplina de música de câmara. Não sei se alguma vez te disse isto, Daniel, mas no final desse ano letivo fui ter contigo para ficarmos juntos outra vez no segundo ano. Lembro-me de ter pensado que queria continuar a trabalhar com um pianista tão talentoso como tu. Desde então, a nossa colaboração – e amizade – só se fortaleceu. Não é comum uma relação tão duradoura e regular entre o mesmo cantor e o mesmo pianista como a nossa. Acreditamos que isso realmente faz a diferença no nosso caso.

 

Por que decidiram atribuir um nome ao vosso projeto musical?

 

IS: Em 2013, quando nos candidatámos a um apoio da GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas para a gravação do nosso álbum "Alma Ibérica", foi necessário atribuir um nome ao projeto. Era um álbum dedicado à canção portuguesa e espanhola e quisemos um nome que refletisse a nossa identidade portuguesa. Como ambos temos raízes em Lisboa e foi aí que nos conhecemos, fomos buscar inspiração às tágides, as ninfas do Tejo. É um nome que também remete para a Camões, ou seja, para a palavra e a poesia, que são indissociáveis do repertório de canção.

 

Quais desafios enfrentaram ao longo da vossa parceria tão duradoura e consistente?

 

DG: No início, quando ainda éramos estudantes, tínhamos uma prática muito regular, e isso foi um pilar fundamental para o nosso trabalho em conjunto. No entanto, também representou um desafio quando a nossa vida académica nos levou a estudar no estrangeiro, reduzindo a frequência com que podíamos ensaiar juntos. Outro desafio surgiu da nossa paixão mútua pela música contemporânea, particularmente do século XX em diante. Há 20 anos, era muito mais difícil conseguir espaço em palcos que programassem esse tipo de repertório para voz e piano, que também era menos comum nos circuitos tradicionais de música de câmara. Inicialmente, estávamos mais focados em compositores clássicos como Schubert e Mozart, cujas obras eram mais alinhadas com as características do piano e da voz da Inês. Através de Schubert, participámos no Concurso Internacional de Música de Câmara – 'Schubert e a Música Moderna', em Graz, na Áustria, o que marcou um ponto de viragem no tipo de repertório que começámos a explorar juntos. Abriram-se novas portas e começámos a ser procurados especificamente para esse tipo de repertório.

 

De que forma o concurso impulsionou essa transição para um repertório mais contemporâneo?

 

IS: Naquela época, o concurso fornecia uma lista de repertório que incluía tanto Schubert quanto música contemporânea. Tivemos acesso a essas listas e às partituras, o que nos permitiu escolher e preparar o nosso repertório para a competição. Mas o mais espetacular foi a descoberta de um novo mundo da música contemporânea para canto e piano. Durante o concurso, tivemos a oportunidade de assistir às apresentações de dezenas de outros participantes e de ouvir uma diversidade impressionante de peças de música contemporânea, muitas das quais nunca tinham sido executadas em Portugal. Essa experiência foi como um curso intensivo, que nos abriu os horizontes para muitas obras incríveis. Enquanto lá estivemos, aproveitamos para visitar a biblioteca da universidade e recolhemos muito material que naquela altura não estava disponível em Portugal. Apesar de algumas dessas obras já serem conhecidas internacionalmente, muitas não estavam gravadas e era praticamente impossível ter acesso a essas partituras no nosso país. Foi uma experiência transformadora.

 

A ênfase na música contemporânea acabou por influenciar a evolução do vosso repertório?

 

DG: Sem dúvida. Permitiu-nos estabelecer contactos importantes, que, por sua vez, nos abriram várias oportunidades para concertos. Gradualmente, começamos a ser mais reconhecidos nessa área específica, talvez até mais do que no repertório clássico ao qual inicialmente nos dedicámos. Destacámo-nos na música contemporânea, o que nos valorizou no campo musical; afinal, quando algo é menos comum, a procura aumenta. Agora, felizmente, muitos artistas estão a explorar a canção contemporânea, o que demonstra uma evolução no gosto e na aceitação do público. Inclusive, já recebemos duas encomendas de outras entidades que solicitaram a compositores que escrevessem obras especificamente para nós, o que consideramos um reconhecimento significativo do nosso trabalho e uma confirmação de que a nossa aposta na música contemporânea abriu realmente novas oportunidades.

 

No que se refere ao repertório contemporâneo, têm preferências?

 

DG: As nossas preferências vão variando. Por vezes, escolhemos obra a obra, mais do que escolher compositores específicos. Para o piano, a escolha de repertório é importante, mas para a voz é determinante. A voz define muito do que é possível fazer, por isso adaptamos sempre as peças às características da voz da Inês. E, com o tempo, as vozes mudam, o que naturalmente nos obriga a reavaliar e ajustar o repertório. Mas, se for para destacar, há dois compositores de que gostamos muito: a compositora finlandesa Kaija Saariaho e o compositor norte-americano George Crumb. São universos sonoros que nos fascinam e com os quais nos sentimos muito à vontade. Também gostamos muito de György Ligeti. No ano passado, fizemos um concerto onde interpretámos pela primeira vez um ciclo de Schönberg. Embora não seja completamente contemporânea, trata-se de uma obra frequentemente considerada pioneira na exploração da música atonal, e mesmo sendo escrita há mais de 100 anos, soa tão moderna que poderia ter sido composta hoje.

 

Consideram que atualmente há mais espaço para o repertório de música contemporânea para voz e piano?

 

IS: Sim, mas ainda há muito a explorar. Creio que fomos conquistando esse espaço, sobretudo em contextos que já programam outras vertentes. Muitas vezes, esse espaço surge ligado a obras específicas ou temáticas, e não tanto por haver uma abordagem especificamente dedicada ao formato canto e piano. Felizmente, já há quem esteja a fazer esse trabalho, o que é extremamente importante. Acredito que a próxima década vai abrir mais oportunidades para este tipo de repertório em Portugal, o que é essencial, pois existem muitos cantores e pianistas talentosos que se dedicam a esta área.

 

DG: Além disso, é preciso criar o hábito de programar música contemporânea de forma consistente, e isso vai além dos programadores: passa também pelos próprios músicos, que, ao organizarem festivais e eventos, podem encorajar a inclusão deste repertório nas programações. Este é um género que pode estabelecer uma ligação muito direta com o público, e no qual vale a pena investir.

 

Como é que a vossa relação musical profissional influencia a vossa amizade e vice-versa?

 

IS: A nossa amizade surgiu naturalmente, pelo tempo que passamos juntos a ensaiar. A colaboração musical é algo muito íntimo, cria momentos intensos de procura, de frustração, mas também de alegria. Esses momentos ajudam-nos a conhecer o outro de uma forma mais profunda. Claro que há sempre algum stresse e nervosismo, especialmente antes dos concertos e gravações. Mas é curioso olhar para trás e perceber como nos transformámos. Hoje em dia, abordamos tudo com uma calma que antes não tínhamos. Falo por mim, mas acredito que muito do meu desenvolvimento enquanto cantora se deve a esta parceria.

 

Mencionaram o álbum "Alma Ibérica". Como foi o processo criativo desse projeto?

 

IS: Antes de nos candidatarmos ao apoio da GDA, já andávamos a pensar em fazer um programa só de música portuguesa e espanhola.

 

DG: Sim, havia uma série de repertório que nos chamava a atenção e começámos a fazer pesquisa de obras e compositores portugueses e espanhóis que tivessem pontos de contacto entre si.

 

Como é que o vosso duo se posiciona no mercado português?

 

IS: Esse é, sem dúvida, um dos grandes desafios – posicionarmo-nos no mercado português. Para isso, temos que ter em conta dois aspetos fundamentais. Primeiro, destacar a importância do repertório para canto e piano, sublinhando a relação próxima entre o pianista e o cantor, que é essencial neste tipo de música. Depois, procuramos encontrar o nosso lugar explorando nichos específicos, como a música contemporânea e a música portuguesa, que valorizamos imenso. Naturalmente, também incluímos repertório mais clássico e romântico do século XIX, que nos é muito querido. A nossa estratégia passa por equilibrar estas vertentes, posicionando-nos de acordo com o que acreditamos ser mais viável para o duo.

 

Qual foi o concerto mais marcante da vossa carreira?

 

DG: Há dois concertos que nos marcaram especialmente. Um deles foi no ano passado no Teatro Aveirense, em Aveiro, como parte integrante do projeto “Reencontros de Música Contemporânea”, organizado bianualmente pela Arte no Tempo, que tem feito um trabalho extraordinário na promoção da música contemporânea Apresentámos a primeira obra atonal de Schönberg, Livro dos Jardins Suspensos Op. 15, intercalada com algumas canções do ciclo Cicuta [2005], que Chagas Rosa compôs a partir da poesia de Maria Teresa Horta. A contextualização do próprio Chagas Rosa, aliada à interpretação das suas canções e das de Schönberg, trouxe uma profundidade única ao concerto. Além disso, tivemos também a oportunidade de estrear uma obra que Rúben Borges compôs em 2021, por encomenda da Arte no Tempo.

 

IS: O outro concerto foi nos Açores, em 2021, como parte do Ciclo A Música e o Mundo – Encontros Sonoros Atlânticos, promovido pela Associação Francisco de Lacerda A Música e o Mundo. Apresentámos os Wesendock Lieder, de Richard Wagner, as Trovas de Lacerda, e fizemos a estreia mundial de Chants de Teika, uma obra de António Chagas Rosa, inspirada pela lírica japonesa. Foi um concerto muito especial. O local era lindíssimo e a organização ofereceu excelentes condições aos artistas.

 

Há algum compositor contemporâneo com quem gostassem de colaborar?

 

DG: Kaija Saariaho e George Crumb, que infelizmente faleceram há muito pouco tempo. Queremos continuar a colaborar com compositores portugueses e dar a conhecer as suas obras.

 

Esse é o mote do vosso segundo álbum digital “Outonalma”?

 

IS: Sim. O foco será na música do século XXI, com obras de Paulo Bastos, António Chagas Rosa, Fátima Fonte, Fernando C. Lapa e Vasco Mendonça. Além disso, queremos acabar com a dicotomia Norte / Sul. Tradicionalmente, no Norte não são programados compositores do Sul e vice-versa. Com este álbum, queremos ser abrangentes e ultrapassar essas divisões que, na nossa opinião, não fazem sentido.

 

DG: Queremos contribuir para acabar com essa dicotomia, até porque, especialmente neste repertório, ela não faz sentido nenhum. Por exemplo, o ciclo de Paulo Bastos é excelente, mesmo para cantores que estão a iniciar no Conservatório, porque é muito acessível. Não é preciso cantarem sempre as mesmas canções. O ciclo de Fernando Lapa também é espetacular. Embora exija mais maturidade vocal, é um compositor com uma maturidade e um brilhantismo excecionais. Os seus ciclos para canto e piano são absolutamente virtuosos, cheios de emoção, e têm um valor que merece ser sublinhado, independentemente de ele não ter nascido em Lisboa. Espero que este nosso novo álbum ajude a estimular outros cantores, até os que já têm uma carreira consolidada, a incluírem este tipo de repertório.

 

IS: Exatamente. Utilizamos linguagens diferentes. Algumas peças são muito exigentes de interpretar e podem ser mais difíceis para o público assimilar, mas outras, como o ciclo do Paulo Bastos, são contemporâneas e acessíveis. O ciclo de Fátima Fonte, por exemplo, encomendado pela Miso Music especialmente para nós, é muito interessante. São poemas de Alexandre O'Neill com muito humor e um caráter muito leve, quase um repositório de curiosidades. São peças curtas e muito divertidas de explorar.

 

O título "Outonalma" parece carregar uma forte carga simbólica. Como é que este novo trabalho reflete a vossa evolução enquanto duo e a forma como veem a canção erudita portuguesa hoje?

 

IS: O título "Outonalma" foi escolhido precisamente por encapsular essa atmosfera intimista e melancólica que une as obras do álbum. É um trabalho que reflete a nossa evolução e maturidade artística, mas também o nosso compromisso em mostrar como a canção erudita pode ser tão diversa e profunda quanto a tradição que a inspira.

 

DG: E essa evolução nota-se também na escolha das obras e dos compositores. Procurámos linguagens musicais distintas, que representassem diferentes visões e geografias, mas que, no fundo, dialogassem entre si. O outono, como metáfora, serve de elo unificador: é uma estação de transição, de reflexão, mas também de grande beleza. E é isso que queremos transmitir com este álbum – uma viagem pela riqueza da canção portuguesa contemporânea, que convida o público a descobrir obras únicas, cheias de significado e emoção.

 

IS: Exatamente. E, ao mesmo tempo, celebramos a vitalidade deste formato – a canção para voz e piano –, que continua a ser um espaço de experimentação e de diálogo entre a tradição e a modernidade. Com "Outonalma", esperamos não só honrar o legado dos compositores que interpretamos, mas também inspirar futuras gerações a explorar este repertório tão rico e ainda pouco conhecido.

 

DG: E, claro, há uma mensagem de união neste projeto. Ao reunir compositores de diferentes zonas do país, queremos mostrar que a criação musical em Portugal é uma só, independentemente de fronteiras geográficas. Este álbum é, acima de tudo, uma celebração da diversidade e da força da música portuguesa contemporânea.

 

IS: E um convite para que todos descubram a beleza que há nestas obras. Afinal, a música é feita para ser partilhada, e é isso que esperamos fazer com "Outonalma".


Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos


Quer saber mais? Veja e ouça abaixo uma das suas performaces:




Álbum digital "Outonalma":




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