Por Joana Patacas*, em 07 de outubro de 2024
O barítono português André Baleiro é um dos talentos mais promissores da sua geração, com uma carreira versátil, pautada por performances notáveis e uma dedicação incansável à música, que lhe têm rendido os elogios da crítica.
“Belo timbre ao longo de toda a extensão vocal, técnica e dicção apuradas e um sentido da relação texto-música na justa medida.” – Cristina Fernandes: “Uma fascinante viagem pela arte vocal de Britten”, in Público
Natural de Lisboa, André começou a trilhar o caminho que o levaria aos grandes palcos com oito anos sob a orientação da professora Teresa Lancastre, primeiro na escola básica, e depois no Instituto Gregoriano de Lisboa, onde com 15 anos iniciou a sua formação vocal com Elsa Cortez. Após uma breve passagem pelo curso de Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico, optou por seguir a sua verdadeira vocação, dedicando-se integralmente à música na Escola Superior de Música de Lisboa. Mais tarde, como bolseiro da Fundação Hamel em Hannover e da Fundação Gulbenkian em Lisboa estudou Canto na Universidade das Artes em Berlim na classe de Siegfried Lorenz e aprofundou o seu conhecimento de interpretação do repertório de Lied com Eric Schneider.
“Com um instinto seguro e usando sempre a sua poderosa voz com suavidade, André Baleiro criou todo um cosmos de cores e emoções maravilhosamente diferenciadas no palco.” – Pia Geimer: “Ungewöhnlicher Liederabend mit Schubert, Britten, Schumann”, in Rhein-Neckar-Zeitung
Vencedor de concursos prestigiados como o 1º Prémio no Concurso Internacional Robert Schumann, e pelo Prémio “Talento mais promissor” no Concurso Internacional “DAS LIED”, o seu talento tem brilhado em palcos de renome nacional e internacional. Na ópera, tem-se destacado pelas interpretações de Tarquinius em “The Rape of Lucretia” de Britten no Teatro Nacional São Carlos, Fígaro em “Il Barbiere di Siviglia” de Rossini com a Kammeroper München em Munique, e Don Parmenione em “L’occasione fa il ladro”, também de Rossini, no Teatro Pérez Galdós, em Las Palmas.
“Apesar de a ópera ser um meio onde tudo é extremamente definido, ainda procuro espaço para o improviso e a liberdade de continuar a explorar novas soluções artísticas.” – André Baleiro
Também se apresenta regularmente em recital na Alemanha e em Portugal, destacando-se as suas colaborações de longa data com o maestro João Paulo Santos e o pianista David Santos. A música vocal moderna e contemporânea tem sido um dos seus focos principais, colaborando nas últimas três temporadas no projeto Liederwerkstatt, no Festival Kissinger Sommer, na Alemanha, que se foca na encomenda e execução de obras para canto e piano de conceituados compositores, como Aribert Reimann, Wolfgang Rihm e Manfred Trojahn.
No repertório coral-sinfónico, já emprestou seu "cantabile" a obras-primas como as “Paixões de Bach”, os Requiem de Fauré, Duruflé e Brahms, “L'enfance du Christ” de Berlioz ou os “Gurrelieder” de Schoenberg, sob a batuta de maestros como Michel Corboz e Lorenzo Viotti.
“Recentemente terminei a gravação de um CD com canções e obras corais de Joly Braga Santos, que deverá ser lançado em breve. Nesta temporada, irei interpretar várias obras pela primeira vez, o que me entusiasma bastante. Entre elas estão “Elias” de Mendelssohn, o '”War Requiem” de Britten, e o papel principal na ópera dodecafónica “Il Prigioniero” de Luigi Dallapiccola.” – André Baleiro
Nesta entrevista exclusiva à SMARTx, André Baleiro partilha as suas reflexões sobre os desafios e recompensas de uma carreira internacional, o desenvolvimento das suas personagens operísticas, os papéis de sonho e o que o inspira a continuar a explorar novas fronteiras vocais. Uma conversa franca e inspiradora com um dos maiores talentos líricos da atualidade, que revela a profundidade e a paixão que colocam este barítono no topo do panorama musical contemporâneo.
O que o levou a estudar música?
Na altura, o meu irmão tinha aulas de guitarra, e eu pedi aos meus pais para ter também aulas de música, mas escolhi o piano. Isso coincidiu com as aulas de Iniciação Musical que tinha com a professora Teresa Lancastre na minha escola primária, o que depois me levou a ingressar no Instituto Gregoriano de Lisboa.
Quais foram as principais influências e referências que moldaram sua identidade artística ao longo de sua formação?
Sem dúvida, a música coral e a experiência de cantar em grupo foram decisivas na minha abordagem à música. No Instituto Gregoriano de Lisboa, tive ótimos professores e pedagogos: a minha primeira professora de música, Teresa Lancastre; o barítono, maestro e pedagogo Armando Possante, que também teve uma enorme influência no meu desenvolvimento; e claro, a minha primeira professora de canto, Elsa Cortez.
Fale-nos um pouco sobre as suas aprendizagens no Instituto Gregoriano de Lisboa.
As minhas aulas de canto com a professora Elsa Cortez foram sempre pautadas por um elevado grau de exigência e seriedade. É muito comum nas escolas de música os professores serem mais permissivos e facilitarem, o que leva a que os alunos acabem por ir para as aulas com as coisas meio sabidas e mal preparadas. Lembro-me de ser muito importante para a minha professora que dedicássemos o máximo esforço na preparação, que incluía a tradução e interpretação dos textos, o entendimento do contexto histórico e estilístico das peças, e, claro, uma preparação irrepreensível do texto musical. Recordo-me de uma situação em particular, durante um ensaio para um concerto onde eu iria cantar a parte de barítono solista numa missa de Mozart. Embora eu tivesse uma boa capacidade de leitura à primeira vista, nesse dia não me preparei adequadamente e acabei por me enganar na melodia. No final do ensaio, a reprimenda não tardou em chegar. Ela aconselhou-me a não depender demasiado da minha facilidade de leitura e a garantir que estivesse sempre bem preparado para os ensaios. Esse conselho ficou comigo até hoje, e ao longo do meu percurso tenho sempre feito por me preparar o melhor possível para todos os projetos em que participo.
Quando é que se apercebeu de que queria ser músico profissional?
Não consigo apontar um momento específico, mas foi durante o ensino secundário que comecei a ter aulas de canto e a receber avaliações muito positivas sobre as minhas atuações a solo. Quando fui estudar Física Tecnológica no Instituto Superior Técnico (IST), entrei também para o Coro Gulbenkian e comecei a receber muitas solicitações para cantar a solo. Creio que foi durante esse período que me apercebi da possibilidade de seguir uma carreira como músico profissional.
Foi uma decisão difícil abandonar os estudos no IST para ingressar na Escola Superior de Música de Lisboa?
Não foi uma decisão fácil. Naquele momento, fiz uma aposta baseada no palpite de que a minha vocação para a música poderia ser maior do que para a física ou matemática. Apesar da maior incerteza laboral inerente à carreira musical, optei por seguir esse caminho.
E nessa altura já se tinha decidido pelo canto?
Na verdade, eu sempre soube que queria ser cantor. A minha decisão de ingressar no curso de Direção Coral e Formação Musical foi motivada por dois fatores. Primeiro, a minha paixão pela música coral e o desejo de me formar enquanto maestro de coro. Em segundo lugar, a oportunidade de aprimorar as minhas capacidades auditivas, um aspeto que considero essencial para um cantor lírico nos dias que correm. A falta dessa valência pode restringir o acesso a um vasto repertório extremamente interessante e desafiador.
O que é que o motivou posteriormente a ir estudar para Berlim? Quais foram os maiores desafios desse período?
Sempre tive um enorme fascínio pelo repertório germânico, incluindo compositores como Schubert, Schumann, Mendelssohn, Brahms, Mahler e Wagner, além de uma admiração geral pela cultura alemã. Dessa forma, estava determinado em estudar na Alemanha para aprender alemão e me dedicar a repertório fascinante. O maior desafio foi, sem dúvida, a aprendizagem da língua e a adaptação a uma cultura muito diferente da nossa, com um clima mais severo e uma gastronomia mais pobre e desinteressante. Contudo, houve muitos aspetos positivos que incorporei na minha abordagem pessoal, como por exemplo a ética de trabalho alemã, que diria ser mais empreendedora e focada do que a nossa.
Como foi ter estudado sob a orientação do sob a orientação do Kammersänger Siegfried Lorenz?
Foi um privilégio enorme e uma influência muito positiva, pois foi com ele que consolidei a minha técnica vocal e redefini a minha conceção de canto. Para ele, era crucial a inteligibilidade do texto, um aspeto que é frequentemente posto em causa no canto lírico, bem como a naturalidade e pureza da emissão vocal. Esses dois aspetos tornaram-se fundamentais na forma como abordo o canto hoje em dia.
Que importância dá aos vários prémios que ganhou na sua carreira?
Os prémios foram importantes pois legitimaram o meu trabalho e fortaleceram a minha confiança, confirmando que estava no caminho certo. Também me proporcionaram visibilidade como intérprete, o que é crucial nesta profissão
Já interpretou vários papéis marcantes, como Tarquinius (The Rape of Lucretia) e Figaro (Il Barbiere di Siviglia). Como é que desenvolve as suas personagens operísticas e qual foi o papel mais desafiador até agora?
A preparação de um papel operático, especialmente se for um papel principal, é um processo complexo e demorado, que envolve inúmeros aspetos. Pessoalmente, prefiro começar sempre pelo texto. Inicio com a leitura do libreto, traduzindo-o e assegurando-me de que compreendo todas as nuances e aspetos relevantes para a posterior representação da personagem. Depois disso, dedico-me ao texto musical. Este é um processo igualmente demorado, pois implica familiarizar-me com todos os elementos da partitura — ritmo, alturas sonoras, harmonias, articulação e caráter musical — não só da minha personagem, mas também das outras com quem interajo. Segue-se então o trabalho vocal técnico. Idealmente, prefiro começar a cantar apenas quando tenho o texto e a música bem definidos na minha audição interior, uma vez que isso representa mais de metade do trabalho e facilita bastante o aperfeiçoamento vocal até alcançar o “produto final”. Ainda não termina aqui; o próximo passo é levar a personagem para o palco, o que inclui definir a fisicalidade, ações, reações e os seus tempos na música e no espaço. Idealmente, no fim do processo, apesar de a ópera ser um meio onde tudo é extremamente definido, ainda procuro espaço para o improviso e a liberdade de continuar a explorar novas soluções artísticas.
É conhecido pela sua versatilidade, transitando entre diversos géneros e estilos. Como é que equilibra a técnica e a interpretação ao abordar repertórios tão distintos?
Confesso que não é fácil. Seria mais confortável cingir-me exclusivamente a um tipo de repertório. No entanto, acho que acabaria por me sentir aborrecido com essa opção mais cómoda. Tenho um grande interesse em explorar e interpretar diferentes tipos de repertório, desde ópera até recitais de canção, e da música antiga à música contemporânea. O desafio técnico que isso implica significa que preciso dedicar mais horas ao estudo sempre que mudo de estilo, por exemplo, de uma vocalidade operática para outra mais intimista."
Quais são seus compositores favoritos e por quê? Há alguma obra em específico que tenha marcado a sua trajetória artística?
Os meus compositores favoritos diferem consoante o tipo de música. Se estivermos a falar de música para piano, diria Beethoven, Rachmaninoff e Ravel. Música sinfónica diria Mahler, Tchaikovsky e Shostakovich. Se estivermos a falar de música vocal diria Monteverdi, Schubert e Britten.
Além do canto, estudou direção coral. Tem planos de, no futuro, conciliar a carreira de cantor com a de maestro?
De momento não está nos meus planos enveredar pela direção, mas nunca se sabe.
Que cuidados tem com a voz?
O descanso é essencial, assim como manter uma boa hidratação. Evito comer demasiado tarde para prevenir o refluxo. Também procuro proteger-me de oscilações térmicas bruscas e tento manter os níveis de stress controlados para preservar o sistema imunitário, o que nem sempre é fácil nos dias que correm.
Há alguma performance, obra ou projeto do qual se sinta particularmente orgulhoso?
Em 2014, tive o privilégio de interpretar o papel principal num projeto da Ópera de Câmara de Munique chamado “Kaspar Hauser”. Este projeto foi concebido pelo encenador e dramaturgo Dominik Wilgenbus, com textos da sua autoria e baseando-se na vida trágica dessa personagem histórica, com excertos musicais de várias obras de Schubert. Foi um projeto extremamente sensível, belo e comovente. Mais recentemente, tive a oportunidade de participar em duas produções distintas da ópera “Pelléas et Mélisande” de Debussy, das quais me orgulho bastante e que espero continuar a interpretar no futuro.
Em que projetos está a trabalhar neste momento?
Recentemente terminei a gravação de um CD com canções e obras corais de Joly Braga Santos, que deverá ser lançado em breve. Nesta temporada, irei interpretar várias obras pela primeira vez, o que me entusiasma bastante. Entre elas estão “Elias” de Mendelssohn, o '”War Requiem” de Britten, e o papel principal na ópera dodecafónica “Il Prigioniero” de Luigi Dallapiccola. Também interpretarei Miller na ópera “Luisa Miller” de Verdi e a parte de barítono solista na estreia da obra coral-sinfónica “Ode Marítima” de Nuno Côrte-Real, com texto de Fernando Pessoa."
Como ocupa os seus tempos livres?
Como pai de duas crianças pequenas e tendo uma atividade profissional bastante frenética, o meu tempo livre é escasso. Dedico grande parte dele a cuidar das minhas filhas, brincando com elas e acompanhando-as nas suas atividades. Sempre que possível, tento também reservar algum tempo para fazer exercício físico e para ler.
Que conselho dá aos jovens cantores líricos que a iniciar as suas carreiras?
Sejam obsessivos na preparação, não deixem pontas soltas por resolver e certifiquem-se de que dominam todos os ínfimos detalhes que incorporam a performance. Sejam audazes e entusiasmados. Desafiem os próprios limites para perceber onde se situam melhor, e onde serão capazes de ter o vosso melhor desempenho.
* Joana Patacas - Assessoria de Comunicação e de Conteúdos
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